sábado, 16 de março de 2019

O prisma de gênero: a luz que não podemos enxergar

Enquanto a primeira geração do viés de gênero foi amplamente associada à discriminação ostensiva — que um dia já foi legal — a despeito da força dos movimentos feministas, hoje enfrentamos a segunda geração do viés de gênero, que é invisível, mas ainda existe na forma de estereótipos comuns.

O viés da primeira geração é aparente a olho nu; quando ocorre, podemos categorizá-lo e responsabilizar pessoas e organizações que o cometem ou toleram. No entanto, se limitarmos o debate de gênero apenas ao limite da nossa visão, veremos apenas algumas cores do espectro da discriminação.

A questão é: o que não pode ser visto? Pense nos espectros invisíveis — rádio, infravermelho, raios-x, raios gama — que estão além da nossa percepção mas são, potencialmente, os mais danosos. O perigo do viés invisível é que nos leva a perpetuar premissas e crenças negativas.

É necessário expandir nosso prisma para além do atual nível de consciência para que seja possível desafiar e corrigir esses vieses de gênero inconscientes. Para explorar o tema, investigamos as dinâmicas de gênero em um grupo de treinamento em coaching por meio de dois casos idênticos em tudo, exceto em um aspecto: o aprendiz-chave do estudo era homem em um caso e mulher em outro.

O caso apresentava um cenário típico — um grupo de coaching com indivíduos de várias nacionalidades, origens organizacionais, gêneros e idades ao longo de uma semana. No cenário, o aprendiz-chave, após se mostrar inicialmente bastante aberto, se isola progressivamente do grupo de do instrutor.

Após explanar os casos aos respectivos grupos, resumimos as descobertas mostrando como cada grupo analisou cada caso. As diferenças foram impactantes.

O grupo que analisou o comportamento da aprendiz mulher utilizou adjetivos como "defensiva", "medrosa" e "perfeccionista" para caracterizar a aprendiz e a descreveu como se estivesse "perdendo o controle".

Em contraste, o grupo que analisou o aprendiz homem no mesmo cenário o caracterizou como "defensivo", "competitivo" (potencialmente competindo com o instrutor), "agressivo" e "envergonhado" após mostrar sua vulnerabilidade.

Cada grupo interpretou as reações emocionais de maneira diferente de acordo com o gênero do aprendiz. Quando perguntados sobre quais emoções os guiaram na hora de escolher os adjetivos, os membros do grupo que analisou a aprendiz descreveram sentimentos como tristeza e compaixão.

Já os integrantes da equipe que analisou o aprendiz homem, as emoções provocadas foram medo, desafio, tensão, frustração, curiosidade e empatia tardia.

As ações propostas para lidar com a situação foram igualmente diferentes. O grupo que discutiu a aprendiz sugeriu uma intervenção precoce, cara a cara, que é a base para compreender as necessidades do aprendiz. Já no grupo que discutiu o aprendiz, a abordagem foi mais focada na solução: desafios, recontratação e discussões internas sobre os impactos do comportamento do aprendiz.

Quais as diferenças nos resultados poderiam essas duas abordagens representarem? Elas serviriam apenas para reforçar estereótipos de gênero? E quais as implicações para o contexto mais amplo das relações de gênero no trabalho?

Todos nós temos vieses, a maioria deles está abaixo do nível da nossa consciência. Na verdade, estima-se que cerca de 90% do nosso cérebro funcione no nível inconsciente. É um atalho natural que nos permite avaliar rapidamente outras pessoas com base no gênero, experiências, origens e normas culturais.

Curiosamente, os vieses inconscientes contradizem os valores e crenças que expressamos com bastante frequência. Quando eles mexem com os nossos comportamentos, criamos um sistema que reforça os estereótipos. Quando nosso subconsciente é reforçado pelos outros, cria-se uma cultura na qual o viés se torna regra.

A implicação mais poderosa é que essas regras atingem diretamente o que enxergamos com o potencial da outra pessoa e, por associação, como trabalhamos com e próximos a ela.

Os vieses de gênero da segunda geração são mais difíceis de serem enfrentados do que os da primeira; o objeto das nossas tentativas de resistência não é facilmente perceptível. O comportamento consiste em uma ação executada com uma finalidade em um contexto específico em um dado tempo ou evento e, como tal, é influenciado pelas normas e crenças de controle.

Esses são os focos de um estudo que observou as intenções de gestores ao contratar e desenvolver mulheres em profissões ligadas às ciências, engenharia e tecnologia.

As conclusões do estudo têm paralelo com os resultados encontrados em nossos estudos de caso. Por exemplo, uma das crenças comportamentais identificadas foi a assunção persistente de que mulheres são mais emocionais e requerem mais esforço de uma perspectiva gerencial; portanto, como gestor, você precisaria ser mais gentil com as mulheres.

Outra crença apontada é que as mulheres têm mais responsabilidades no lar, portanto elas seriam menos flexíveis no que se refere aos seus compromissos com o trabalho.

O estudo identificou crenças normativas de que o suporte aos avanços na carreira das mulheres é simplesmente uma medida "politicamente correta". Poucas organizações ou gestores pensam que existe um problema a ser resolvido, portanto não buscam resolvê-lo.

Também são as crenças normativas que reforçam os vieses de segunda geração e a completa falta de conscientização de que existe um problema a ser resolvido. Na verdade, as questões de gênero às vezes são descritas como algo inventado, e isso resulta em relutância para apoiar ações afirmativas.

Como mostrado em nossos estudos de caso, sistemas de crenças diferentes têm efeitos distintos. Se falharmos em chamar a atenção e solucionar o que permanece invisível, falhamos em desafiar o ambiente que prende as mulheres e pelos quais as mulheres prendem a si próprias e aos outros. É a luz invisível que provoca os maiores danos.

Artigo escrito em parceria com Marie O’Hara, coach de liderança no IMD.

Por: Bettina Büchel

Fonte de Pesquisa: http://www.administradores.com.br/artigos/carreira/

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